“Todos os retratos que tenho de minha mãe não me dão nunca a verdadeira fisionomia daquele rosto, daquela melancólica beleza do seu olhar.”
Menino de Engenho, escrito pelo autor paraibano José Lins do Rego e publicado em 1932, sendo o seu romance de estréia, conta a história de Carlinhos, um menino que aos 4 anos de idade presencia a morte da mãe e a prisão do pai, culpado pelo assassinato da esposa.
Ao ficar desolado e sem a companhia dos pais, o garoto é mandado para morar com o avô materno, o velho José Paulino, dono de um engenho de açúcar. Lá o jovem descobre o primeiro amor, a dor de outras perdas, as brincadeiras inadequadas e levadas dos primos, o carinho materno da tia Maria, os “puxões de orelha” da Sinhazinha, as maleficências das relações sexuais sem prevenção, entre outros acontecimentos que rodeiam a sua infância e são contados a cada capítulo.
Além de abordar a infância do personagem principal, tanto o lado positivo como também o negativo do ato de crescer, a obra também traz um tema recorrente no Nordeste e de suma importância para ser debatido em qualquer momento: a seca do sertão. Transparece as dificuldades enfrentadas pelas secas e chuvas em excesso, a perda dos alimentos e as enchentes que levam grande parte dos bens materiais do povo pobre.
Embora quando pequeno Carlinhos ainda não entenda a gravidade do ato criminoso do pai e as consequências que isso traria no futuro para a destruição e desestrutura da família, ao longo da história fica perceptível que, independente de seu crescimento, o menino ainda não consegue entender o motivo de lhe afastarem e impedirem um contato paternal. Mesmo que tenha consciência do que ocorreu e, ao mesmo tempo, tenha medo de se tornar o espelho do pai, nesse aspecto de falta e contato paterno ainda reina inocência no garoto.
Porém, mesmo sentindo a ausência paterna, o avô é quem supre essa necessidade, sendo visto para o menino como um ser inatingível e detentor da justiça, um homem para se seguir como exemplo. Por conta desse poder que o avô tem como coronel e dono de engenho, Carlinhos é tratado pelos servos e negras de forma agradável e mimada, ato que resultou em um comportamento mesquinho em relação aos outros e a ideia de que podia fazer o que quisesse.
A narração é em 1º pessoa, tendo a visão de Carlinhos como destaque e total verdade. O autor explora tudo de maneira natural e sincera através de uma linguagem coloquial e característica do interior, mantendo a fala verbal na escrita. Esse é um toque importante para conectar ainda mais o personagem com o leitor, pois há uma aproximação com as suas raízes e cultura, sendo um grande aprendizado e ensinamento sobre um assunto que nem toda a população viveu e teve contato.
“O povo gostava de ver o rio cheio, correndo água de barreira a barreira. Porque era uma alegria por toda a parte quando se falava da cheia que descia. E anunciavam a chegada, como se se tratasse de visita de gente viva: a cheia já passou na Guarita, vem em Itabaiana…”
Minha experiência com o Carlinhos e a narrativa de José Lins do Rego
No começo a obra não me chamou a atenção e, admito, a história não me ganhou por um longo tempo da leitura. Talvez isso deva a minha cobrança comigo mesma para gostar de um livro considerado clássico e que, ao meu ver, não deve ser contestado. Eu tive tanto medo de não gostar que não consegui me conectar a Carlinhos e aos seus problemas de menino. Até acho que comecei a apreciar melhor a história depois de algumas semanas quando parei para refletir sobre o tema explorado e ao perceber o tamanho do meu entusiasmo quando conversava com alguém sobre a obra.
Inclusive tive que recorrer a algumas análises para poder “entrar” mais fundo na história e conhecê-la em suas entrelinhas, até mesmo para saber mais informações sobre os personagens que poderiam ter me passado despercebidas. E dentre as análises que encontrei, gostaria de destacar uma e deixá-la como recomendação para vocês: basta clicar aqui.
Acredito ser importante citar que é perceptível durante a leitura que Carlinhos, por mais que faça travessuras e se engrace para todas as mulheres, não é totalmente feliz, mas, sim, solitário e melancólico, sentindo que ainda falta algo em sua vida. Esses sentimentos de solidão podem ser considerados o motivo para que o menino levasse a vida como escolheu: cheio de encrencas alheias até o momento em que contrai aos 12 anos de idade uma doença sexualmente transmissível. Pelo menos ao meu ver foi essa impressão que o personagem transmitiu para mim.
O livro consegue transmitir a realidade de um menino perdido, sem rumo, sem saber como prosseguir depois de tantas perdas irreparáveis: a morte da mãe, a morte da prima Lili e o abandono da tia Maria. Mostra as consequências de uma infância má aproveitada e que obriga o amadurecimento precoce de um garoto. Esse amadurecimento precoce não é imposto pela sociedade, como acontece muitas vezes na atualidade, mas pelo próprio garoto que se vê na necessidade de se tornar um homem melhor do que o seu pai foi. Portanto, a obra traz diversas sensações e impressões para os diferentes leitores.
Faz-se necessário ser lida no Ensino Médio para que os jovens aprendam sobre os acontecimentos que rodearam a década de 30 do século XX e comecem a ter gosto por leituras nacionais, principalmente pelos clássicos do nosso país, mas sendo abordada de uma maneira dinâmica e sem obrigações ou à força, pois assim apenas terá um efeito contrário. Embora a linguagem possa tornar a leitura lenta e menos dinâmica, isso não atrapalha a experiência que terão ao longo da história. Isso apenas agregará e tornará a obra ainda mais completa e verdadeira.
Outro ponto que chama a atenção e pode incomodar, o qual me afetou, é a fala machista do personagem. Em vários momentos somos obrigados a acompanhar um pensamento machista, que, infelizmente, é característico da época e do meio em que ele vive. Por isso é importante se ater a época em que a obra foi escrita para sabermos que o discurso machista era considerado “normal” e habitual, não podendo assim julgar a história pelo meio em que foi escrita. É necessário diferenciá-los e separá-los, pois ao contrário a leitura se tornará penosa e ofensiva.
José Lins do Rego deixou para a Literatura Brasileira um extenso legado com obras importantes e representativas para o Nordeste, tendo um lugar prestigiado entre os maiores romancistas regionalistas do Brasil. E mesmo após sua morte o autor continua trazendo reflexões sociais para os novos e antigos amantes da literatura. Ter esse contato com Menino de Engenho e suas demais obras é necessário, principalmente no quesito de aprender e conhecer. Mesmo para aqueles que não gostam dos clássicos nacionais, indico que dê uma chance e tire suas próprias conclusões. Afinal, essa pode ser a sua melhor leitura do ano ou da vida e você apenas saberá disso se der uma chance para a história.
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Olá!
Sua resenha ficou ótima. Eu li esse livro há muitos anos, quando estava no ensino médio e lembro de muita coisa, mas já preciso de uma releitura. Vou agendar! Eu moro em João Pessoa e é sempre bom ter contato com autores e autoras aqui da terrinha! Obrigada pela dica!
Grande abraço,
Drica.
Oi, Drica!
Obrigada pela sua visita e pelo elogio! ♥
Assim como você, eu também adoro ter contato com autores de onde moro e sempre interessante conhecer ainda mais da literatura brasileira, né? Esse livro é um daqueles essenciais para a vida e que todos devem ler ao menos uma vez na vida. Fiquei até com vontade de fazer uma releitura também!