Resenha: “Missal para o Diabo” – Cruz e Sousa

Inspirado por Charles Baudelaire, Cruz e Sousa criou seus próprios textos adentrando o mundo do satanismo. Com uma escrita que brinca com o gótico e traz uma sensação obscura e intensa, o autor trouxe críticas sociais e incômodos para expurgá-los em palavras, agora na edição belíssima de Missal para o Diabo.

Como professora de literatura, coloquei uma meta para ler mais clássicos nacionais ao decorrer dos anos, sendo Missal para o Diabo a primeira leitura desse projeto. E é claro que, apesar dos tropeços, eu não me arrependi.

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Uma missa para o Diabo

Missal para o Diabo é uma coletânea com escritos do autor clássico Cruz e Sousa, sendo composta por 11 contos e 20 poemas. As narrativas versam sobre o ser escravizado (e o que escraviza), o satanismo que acolhe o diferente e o marginalizado e criaturas fantasmagóricas em seus leitos góticos e obscuros.

Com isso, a coletânea se abre com o conto Consciência Tranquila (o meu favorito), sob o ponto de vista de um senhorio, dono de escravos, delirando antes de sua morte. O peso e o sangue derramado de seus atos são narrados como um nada, demonstrando a frieza e a falta de humanidade do narrador. Esse texto já dá um gostinho do que está por vir nas próximas páginas.

Também quero destacar, entre os poemas, o texto O Padre. Aqui, há um padre escravocrata, sem piedade pelos outros. Há a comparação sublime, intensa e cheia de revolta entre a vida do filho de Maria e das pessoas escravizadas.

Entretanto, não são textos fáceis de serem lidos ou interpretados, e talvez a beleza dos clássicos esteja exatamente nisso: pois nos faz parar para absorver e refletir. É uma leitura mais lenta, difícil em certos momentos, mas que o esforço até o final faz valer a pena.

Inclusive, além do livro ter uma edição bonita, cuidadosa e caprichada, em capa dura e com uma diagramação recheada de figuras belíssimas, ainda há mais. A edição também contém textos que servem como apoio, pois nos abre os olhos para a vivência de Cruz e Sousa, suas influências e seus pensamentos.

“Remorsos, eu, então, de toda essa treva trágica, de toda essa lama de crimes apodrecida?! Como, remorso? Pois não era do trono do meu ouro que eu estava rei soberano, assim, com o cetro do chicote em punho, coroado de ouro, arrastando um manto de púrpura feito de muito sangue derramado?! Remorso? De quê? Se o meu ouro tudo lavava, vencia, subjugava a todos e a tudo, emudecia a justiça, tornava completamente servis e de pedra os homens, fazendo de cada sentimento um eunuco?”

Missal para o Diabo é uma ode ao satanismo e aos escravizados

Uma leitura que gerou sentimentos conflitantes em mim. Enquanto havia contos e poemas que eu conseguia entender e sentir as palavras, outros me passaram despercebidos e sem entendimento, e vou dizer o porquê.

Por mais que eu goste muito dos livros clássicos que eu já li, admito que li poucos. A escrita mais antiga, as palavras intruncadas, a leitura que muitas vezes precisa de atenção redobrada, nem sempre me chama a atenção, exatamente porque não consigo me conectar e às vezes nem mesmo compreender o que está sendo dito.

Cruz e Souza escreve textos potentes, recheados de significados, com um satanismo de arregalar os olhos, e isso tudo traz uma magia a mais para sua escrita. Saber da história de vida do autor, dos seus ideais e das suas lutas também faz com que a leitura gere um significado maior e que seja mais “fácil” de ser entendida. Mas, ainda assim, houve momentos em que me dispersei, em que me vi longe das palavras, que não entendi muito o que ele quis dizer. Então, durante a leitura tive momentos positivos e negativos.

Mesmo assim, posso dizer que foi uma leitura que me trouxe aprendizados e repertórios; uma leitura que vou querer repetir no futuro, para assim encontrar novos significados e entendimentos maiores, mais amplos. Quero revisitar Cruz e Souza sempre que der. Reviver suas palavras, encontrar novas. Cruz e Souza é um clássico urgente, até mesmo ainda atual, que deve ser lido e relido por todos.

Vocês já leram Cruz e Souza? 💬

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