Literatura

Resenha: “Hibisco Roxo” – Chimamanda Ngozi Adichie

“Os maridos vêm visitá-las de Mercedes e Lexus todo fim de semana, compram estéreos, livros e geladeiras para elas e, quando elas se formarem, eles é que vão ser os donos delas e de seus diplomas.”



Por trás das aparências e apesar das rédeas fortes impostas pelo matriarca, a família de Kambili mantinha-se intacta e calada. Ninguém suspeitava que as amarras seriam arrancadas e os grilhões quebrados, ninguém imaginava que Jaja, o irmão mais velho de Kambili, iria se rebelar naquele Domingo de Ramos.

Jaja e Kambili são dois adolescentes criados a base de religião e submissão. Papa, o pai de ambos, é um fanático religioso e opressor que impõe medo; enquanto Mama, a mãe, é uma mulher calada, reclusa, que apanha caso decida se impor contra o marido. Aos olhos dos outros a família é vista como uma fonte de seriedade, educação e amor, mas dentro daquelas paredes se escondem o sofrimento e a violência doméstica e psicológica.


Um exemplo claro dessa submissão e violência é a educação escolar como obrigação e prioridade. Os irmãos têm uma rotina puxada e que prioriza os estudos, tendo assim obrigação de serem os melhores da turma, caso contrário são castigados por isso. Não importa se ficam em segundo lugar por milésimos na nota, o castigo é grave e doloroso do mesmo jeito. Eles devem ser sempre os primeiros, pois se isso não acontece o orgulho de Papa é ferido, e isso destrói o interior inocente de Kambili.


Após os irmãos serem mandados para passar um tempo com a tia Ifeoma em Nsukka, a contra gosto de Papa, a visão de mundo e de família começa a mudar. Ifeoma é irmã de Papa, mas nada parece com o mesmo. Ela é viúva, professora, independente e sustenta os três filhos sozinha. Assim como o irmão, ela também é cristã e segue os ensinamentos do catolicismo, mas de uma forma mais leve e com o amor e liberdade sempre em primeiro lugar.


Será através dessa viagem e convivência com os primos, principalmente com a prima Amaka, uma garota jovem que luta por seus ideais, que Kambili e Jaja encontrarão a verdadeira felicidade. Será ali, em Nsukka, que Kambili sorrirá pela primeira vez. E será com essa nova família que a menina perceberá o quanto ficar calada e sempre aos pés do Papa pode ser prejudicial e grave para si mesma.


A narração fica por conta da própria Kambili que nos conta com detalhes e pesares sobre sua vida antes e depois de conhecer sua tia Ifeoma. O fanatismo religioso é extremamente tóxico e perceptível até mesmo nos mínimos detalhes. Por conta desse olhar cego de Papa, fruto da colonização de seu povo, sua família não tem contato com o seu pai, denominado como avô pagão e maltrato por escolher seguir a cultura e deuses da Nigéria, local onde se passa a história. Isso levanta uma questão importante e necessária: até onde o fanatismo religioso e a colonização de uma cultura é cega? Até que ponto mulheres continuarão a serem tratadas como objetos e maltratadas por levarem a culpa pelos fracassos dos maridos? Até quando as mulheres não terão voz?

“A rebeldia de Jaja era como os hibiscos roxos experimentais de tia Ifeoma: rara, com o cheiro suave da liberdade, uma liberdade diferente daquela que a multidão, brandindo folhas verdes, pediu na Government Square após o golpe. Liberdade para ser, para fazer.”



Minhas sensações e urgências com a leitura:
É difícil falar sobre esse livro e tudo que senti durante a leitura. Retratando assuntos como fanatismo e intolerância religiosa, violência doméstica e colonização, Chimamanda conseguiu me destruir à cada capítulo. Cada cena era um tapa na minha cara, havendo momentos em que me sentia totalmente revoltada e outros em que ficava extremamente triste, inconformada. Até mesmo de mãos atadas. 


O contraste entre cultura e a renegação da própria mostra como a colonização afetou (e ainda afeta) o povo nigeriano. Há momentos em que o leitor irá odiar a Igreja e seus mandamentos opressores, mas também haverá momentos em que o leitor perceberá que o problema não está na religião em si, mas, sim, em quem a prega. É um assunto complicado e delicado de ser abordado, mas essencial de ser pensado e analisado. Acredito que a autora conseguiu transparecer a crítica com clareza e maestria e ainda plantar um debate que nem sempre é tão explorado.


A história me trouxe muitos pensamentos críticos e até mesmo certo conhecimento pessoal. Em nenhum momento me arrependo de tê-lo lido, pelo contrário, foi uma leitura que agregou valores e pensamentos em minha vida. Espero que mais pessoas leiam esse livro e consigam captar a mensagem que a autora quis passar. Chimamanda é um nome que deve ser espalhado e apreciado, pois seus textos são essenciais para o mundo em que vivemos e para a liberdade que tanto buscamos. Com total certeza digo que a autora já entrou para a minha lista de escritores preferidos e que preciso ler tudo que já foi publicado!


Quero dizer que o final também me destruiu, mas inconscientemente me deixou com uma pontinha de esperança para o futuro daqueles personagens. Admito que sentirei saudades de Kambili e de sua família. Gostaria de acompanhar o seu crescimento para sempre e apoiá-la em suas futuras decisões.


É importante alertar que esse livro poderá conter alguns gatilhos, caso você não se sinta confortável e nem preparada para encontrar cenas onde a violência domiciliar e psicológica são expostas, mesmo que às vezes implicitamente. Então, tome cuidado ao decidir engatar essa leitura. Não se permita ler algo que você sabe que irá lhe afetar negativamente ou trazer desconforto. Leia apenas se sentir-se à vontade e pronta para isso.


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“Porque Nsukka pode libertar algo no fundo de sua barriga que sobe até a garganta da gente e sai sob a forma de uma canção sobre a liberdade. E sob a forma de riso.”

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