Literatura

Resenha: “A Hora da Estrela” – Clarice Lispector

Reprodução: Google

A Hora da Estrela
Autora: Clarice Lispector
Editora: Rocco
Ano: 2008
Minha classificação: ★★★★★♥ 
(5/5+favorito)
Macabéa é uma nordestina que vive no Rio de Janeiro. Foi criada por sua tia, depois que seus pais faleceram quando ainda era muito pequena. Atualmente, com o falecimento da tia, Macabéa mora com mais quatro mulheres em um pequeno e pobre apartamento. Trabalha como datilógrafa ao lado de Glória, colega de trabalho, e ganha pouco, mas se orgulha de si própria por cada palavra que consegue colocar no papel. E os dias vão passando da mesma maneira, vai da casa para o trabalho e do trabalho para casa, sempre marcando a mesma hora no relógio. Iremos acompanhar o seu dia-a-dia.


Sua companhia durante as noites é o rádio de pilha de uma das Maria que moram no apartamento. À noite, quando todas estão dormindo, gosta de ligá-lo e ouvir ao Rádio Relógio, onde o tempo é marcado por cada tic-tac. O que mais gosta de ouvir na Rádio Relógio são as notícias que envolvem cultura, mesmo não sabendo o que a palavra cultura significa. Aprende com o locutor, pois assim, saberá mais sobre o mundo e poderá compartilhar um dia com alguém. Por mais que várias vezes ouça palavras que nem imagina o real significado, Macabéa se sente feliz.


Embora tenha dificuldades em se manter e alimentar com o pouco do salário que ganha, viva em um local pobre e não consiga entender a maioria das coisas que as pessoas falam, Macabéa se considera feliz. Talvez porque pense que é obrigada a sentir felicidade, independente da vida que leva, ou talvez porque nunca sentiu a real felicidade e imagine que a vida seja apenas isso.


A vida parece mudar quando conhece um homem chamado Olímpico, e que logo se torna seu namorado. Macabéa senti-se realizada, amada e apaixonada, tudo pela primeira vez. Mas, muitas vezes sente medo de perdê-lo, principalmente quando ambos ficam calados um ao lado do outro e nenhum assunto ou conversa surgem.


Macabéa é descrita como feia, magra e sem expressão. Às vezes, até como burra, já que muitas palavras e termos são desconhecidas para ela, tendo as pessoas ao seu redor sempre duvidando de seus questionamentos e incriminando-a de mentirosa e burra. 


A história é contada através das palavras do nosso narrador, o Rodrigo S.M. Ele vai criando, tanto a personagem quanto a história, de uma vez só, ou seja, vai colocando no papel tudo aquilo que vai vindo a sua cabeça no momento (o livro não é separado por capítulos, é um texto só). O narrador diz que nunca conheceu Macabéa ou alguém com esse nome, mas que um dia avistou uma nordestina e foi como se toda a vida da moça viesse para sua mente através de um único olhar. Acredito que no final da história, não é somente nós que estamos apaixonados pela inocente Macabéa, mas o narrador também.


Minha opinião
Quando terminei a leitura, estava em êxtase e sem saber o que pensar. Precisei de um tempo para poder absorver toda a história e enfim tirar conclusões. Resultado: me encontrei apaixonada pela Macabéa, mas com aquele amor de mãe, querendo cuidá-la, abraçá-la e não deixar ninguém fazer mal a ela. Me apeguei a personagem de tal forma que me senti mal por não estar ao lado dela em todos aqueles momentos difíceis e por não ter avisado o quanto o mundo pode ir além do seu rádio emprestado.
Fico imaginando como a Clarice pôde escrever uma obra tão intensa e que ao mesmo tempo parecia ser tão simples. Nunca havia lido nada da autora, mesmo já tendo curiosidade e vontade, aproveitei que estou estudando na faculdade sobre o Modernismo em Literatura Brasileira e fui logo ler uma das maiores influências desse movimento. Me surpreendi e me encantei. Fiquei com aquele pensamento, que quase todos devem ter, na cabeça: “por que eu não li nada dela antes?”. 
Dizem que Clarice, através do narrador Rodrigo S. M. (talvez um pseudônimo?), coloca um pouco dela mesma na história, nas palavras. Eu consegui me enxergar na sua criação, e me senti cúmplice do narrador em vários momentos. Só algo que eu não gostei: Olímpico. Um homem machista, ignorante e que a todo momento pensa que o mundo tem que girar ao seu redor. Talvez eu esteja enganada, mas não lembro de ter sentido tanto raiva por outro personagem em todos os livros que li até hoje. Eu me pegava com vontade de entrar na história, sacudir a Macabéa e gritar na cara dela: “Acorda mulher! Esse homem é um babaca, sai dessa!”. Mas, a unica coisa que conseguia fazer era gritar no meu quarto o quanto eu odiava esse homem. Ele desvalorizava a Macabéa de todas as formas possíveis, seja interiormente como exteriormente. Chamava-a de feia, magra e burra. Eram namorados, e da parte dele só havia desvalorização. Vi um grande relacionamento abusivo nessa relação, algo que me deixou chateada e com raiva. E creio que o intuito desse “romance” foi realmente te fazer parar para pensar e refletir como isso é comum e como nos deparamos com tantos casos iguais e destruidores, o quanto palavras podem até matar uma pessoa. Talvez eu só esteja com devaneios demais na cabeça, mas a leitura me tocou profundamente e agradeço a Clarice por isso.
O livro deixa bastante claro sobre a inocência da Macabéia, tanto com o mundo quanto em relação às outras pessoas. E acredito que isso seja o ponto forte do livro, e talvez até o principal foco. Também acredito que terei que reler muitas outras vezes para poder abstrair ainda mais das entrelinhas da Clarice e ter outras visões, e por ter entrado na lista de favoritos, com certeza tirarei um tempo a cada ano para me dedicar a esta releitura. Sei que nem todas as releituras do mundo poderão me passar tudo que a Clarice quis e deixou em sua história, mas quero ao menos tirar mais proveito e aprendizado a cada oportunidade.
Recomendo que todos leiam esse livro, independente do seu gênero preferido ou do seu gosto (ou preconceito) por literatura brasileira. É algo que todos devem ler e tirar suas próprias impressões. É um livro que todos devem ler ao menos uma vez na vida. Conheça a Clarice e deixe as suas histórias fazerem parte de você.

6 thoughts on “Resenha: “A Hora da Estrela” – Clarice Lispector”

  1. Assisti ao filme "A Hora da Estrela" e amei. Mas o filme não menciona nada sobre o tal narrador. Temos a Macabéa apenas. Assisti a uma entrevista com a Clarice sobre como ela pensou na história e o final dela. Super interessante.
    Abraços!

  2. Olá, Thainá, que resenha magnífica!
    "A hora da estrela" foi o primeiro livro da Clarice que li (além de uma antologia de crônicas, e "Laços de Família", que abandonei). Li pela primeira vez há muito tempo, e não entendi muita coisa, achei todo doido aquele livro sem divisão em capítulos, aquele narrador que fica conversando com a gente, essa história onde não acontecia nada. Foi o que pensei na época! kkkkk
    Esse ano, li o livro pela terceira vez, na tentativa de entender melhor, e foi quando fiz minha própria resenha dele. Mais madura, era como se eu tivesse entrado na alma da Macabéa, que é uma pessoa tão simples, que mal se dá conta da situação em que vive. A sensibilidade da Clarice para criar essa personagem foi tão grande que a gente fica sem entender como uma história tão curta, tão "normal" possa ter uma personagem com constituição psicológica tão intrigante. Cada um entende de um jeito…
    Me incomodei um pouco com o Olímpico, mas o que me fez ficar revoltada mesmo foi a fala da cartomante, no final, dizendo que o homem batia nela porque gostava dela. Mas agora, pensando na sua reflexão sobre Macabéa e Olímpico, penso que pode ser mesmo uma visão de relacionamentos abusivos. Tem mulheres que não se dão conta de que estão vivendo uma coisa ruim porque já tiveram a autoestima tão minada, os sonhos tão destruídos, que acreditam que merecem aquela pessoa que está ali do lado causando sofrimento. Isso é terrivelmente trite.
    Mas uma coisa é certa: Clarice é incrível. Pela minha história com "A hora da estrela", digo isso, porque nunca um livro me desafiou tanto. Eu tenho um projeto pessoal de ir lendo os livros da Clarice, um por um, desde o primeiro, até chegar novamente em "A hora da estrela", e ver se acompanhando o desenvolvimento dela, consigo ter uma compreensão melhor do estilo dela como escritora. Não sei se vou cumprir, mas é uma meta!
    Parabéns pela resenha!

    1. Muito obrigada pela comentário! <3 Fiquei muito feliz com as suas palavras. E sei como é essa dificuldade, no começo da leitura eu também estava sem entender nada e acredito que a cada releitura que fizermos da obra teremos visões diferentes e arrecadaremos mais ensinamentos. Creio que a mente da Clarice era incrível e que ela conseguiu muito bem trazer coisas tão importantes para uma narrativa tão "normal", como você mesmo citou.
      Gostei do seu projeto, espero que consiga cumpri-lo e que se delicie a cada leitura. Também pretendo ler todas as obras dela, mas no momento, quero apenas absorver sobre Macabéa e ficar refletindo sobre essa personagem tão maravilhosa e que me cativou de tal tamanho.
      Obrigada mais uma vez pelo seu comentário e pelo carinho, além do cuidado e paciência para ler essa resenha um pouco grandinha, rs.
      Volte sempre!

  3. Li esse ano esse livro por conta das leituras obrigatórias do vest, e nossa amei também o livro é pequeno, mas tão intenso, profundo e pesado. Eu senti o mesmo que você sobre Macabeia e sobre Olimpico também, eu queria sei la matar ele de tão machista e escroto que ele é. Mas, a história é genial por nos fazer refletir sobre tudo!

    Amei a resenha <3
    Beijoss,
    pinguimtagarela.blogspot.com.br

    1. Não dá vontade de jogar ele de algum lugar bem alto? Argh! Nossa, me senti muito irritada com aquele homem, e até comigo mesma por não poder ajudar Macabeia e abrir seus olhos. É incrível como a Clarice escrever coisas tão simples, mas de uma profundidade enorme, não é?
      Obrigada! <3

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