Literatura

#Clarice-se: Feliz Aniversário (FEVEREIRO)

Reprodução: Google



Conto Feliz Aniversário
Autora: Clarice Lispector
Minha classificação: ★★★★ (4/5)
O conto
Somos situados em uma sala, onde irá ocorrer uma festa de aniversário. As cadeiras estão dispostas coladas nas paredes; na mesa há aperitivos, copos e o bolo com o número “89”, idade na qual a aniversariante está completando nesse dia; e ao final da mesa está sentada Dona Anita, a aniversariante classificada por ela mesma como “a mãe de todos”. No começo do conto temos a chegada de alguns parentes que dispuseram-se a comparecer e comemorar a data. Alguns filhos, netos e noras se encontram presentes ali. Porém, fica claro através da narração o tamanho do desconforto que os personagens sentem na companhia uns dos outros e a indiferença que os cerca.


É nesse ambiente que Dona Anita pega-se divagando e percebendo (em silêncio) o quanto miserável é aquela convivência, o quanto deplorável é o significado de obrigação da festa e de haver um bolo. O narrador, que está em terceira pessoa, compartilhará com detalhes os pensamentos da aniversariante e a sua frustração por ver aquilo em que sua família se tornou: um amontoado de fraqueza e falsidade. A própria Dona Anita declara, através de seus pensamentos, como uma pessoa tão forte como ela poderia ter dado à luz a pessoas que são o seu oposto, sendo até mesmo insignificantes para a própria mãe.


O conto vai trazer a exposição dos pensamentos e das indagações de Dona Anita. O desgaste que há em festas de família vistas como “obrigatórias”, onde o único objetivo é comer salgadinhos e falar da roupa alheia. A protagonista enoja todas essas ações falsas e robóticas e, mesmo que não fique claro para os outros personagens, expõe a sua visão através do ato de cuspir no chão. Ela pode parecer distante, ou até mesmo louca, para os familiares, mas nós leitores sabemos que na verdade ela está pensando na vida em si, e é um prazer ser incluído e levado por tais pensamentos.

“Como?! como tendo sido tão forte pudera dar à luz aqueles seres opacos, com braços moles e rostos ansiosos? Ela, a forte, que casara em hora e tempo devidos com um bom homem a quem, obediente e independente, ela respeitara; a quem respeitara e que lhe fizera filhos e lhe pagara os partos e lhe honrara os resguardos. O tronco fora bom. Mas dera aqueles azedos e infelizes frutos, sem capacidade sequer para uma boa alegria. Como pudera ela dar à luz aqueles seres risonhos, fracos, sem austeridade?”

Minha opinião
Em muitos momentos do conto me senti na pele da Dona Anita, pois os pensamentos dela, além de terem me chamado bastante atenção, me trouxeram um ar familiar e uma proximidade maior com a personagem. Admito que tive indagações parecidas com a dela por várias vezes, e o sentimento dela em relação a família é basicamente o mesmo que eu sinto em relação a minha, então essa leitura além de ter me dado um tapa na cara também me abriu os olhos para os relacionamentos e conflitos internos que sofro no meu ambiente familiar. Com certeza ficará marcado como um dos melhores contos que eu já li, tanto da autora como também no geral.


A escrita da Clarice, como sempre, é precisa e certeira. Ela escreve exatamente aquilo que pensa, sem “papas” na língua ou censura, fazendo com que o texto se torne ainda mais real e que você se sinta mais próximo das personagens, se veja no próprio texto. E faz com maestria. A autora tem um jeito único e inconfundível de escrita, utilizando de palavras difíceis, e até mesmo desconhecidas para alguns leitores, para expressar sua maneira de pensar.


Ao contrário da personagem Ana, de Amor, a Dona Anita consegue dar um basta para a situação constrangedora e inconveniente em que está vivendo, e esta ação nos motiva de alguma maneira. Nos motiva a olhar ao nosso redor e perceber se o que estamos vivendo é o bastante ou não para nós. Em um momento do conto a aniversariante troca olhares com uma das noras que está indo embora, e é perceptível que Dona Anita quer ajudar a nora a sair daquele ciclo tão cheio de negatividade, quer gritar para a nora abrir os olhos e ir viver, ir atrás dos seus sonhos e de uma vida digna, e a autora conseguiu demonstrar todos estes sentimentos apenas com a troca de olhares entre duas pessoas.


Indico o conto Feliz Aniversário a todos que desejam se aventurar nas histórias de Clarice. Não sei se este é o mais recomendável para começar, mas acredito que através dele você já saberá se a maneira que a autora conta suas histórias te prende ou não. Você poderá encontrar este conto na antologia Laços de Família e também no livro Clarice Lispector – Todos os Contos da editora Rocco. E, caso você ainda não participe do nosso projeto para ler um conto da Clarice por mês, aproveita que ainda estamos indo para a nossa terceira leitura e junte-se a nós. Vamos espalhar mais literatura brasileira por aí!

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