Literatura

Resenha: “Geek Love – O Fabuloso Circo Binewski” – Katherine Dunn

“Tenho vislumbres do horror da normalidade. Cada um desses inocentes na rua é tragado por um terror da própria natureza ordinária. Fariam qualquer coisa para ser únicos.”



O Circo Binewski é conhecido por suas atrações inusitadas que trazem certo desconforto e choque no público, ficando famoso em cada cidade pela qual dedica uma parada. Controlado por Al Binewski, o patriarca da família, no início o circo não gera lucros e muito menos fama. O reconhecimento só vem quando ao casar-se com Crystal Lil, uma bela mulher que arranca cabeças de galinhas à dentadas, ambos decidem “fazer” os próprios filhos de forma inusitada e nada convencional para os tornarem atrações circenses. Para ter filhos geeks (estranhos e diferentes do padrão “normal”) o casal utiliza drogas, inseticidas e outros meios absurdos para darem vida a crianças especiais, ou seja, que tenham deformidades peculiares.


Oly Binewski, uma criança anã corcunda albina, tem quatro irmãos: o mais velho Arty, conhecido como Aqua Boy por ter nadadeiras ao invés das mãos e dos pés; as gêmeas siamesas Elly e Iphy; e o caçula Chick, especial por ter o poder de telecinese. Sendo a narradora, Oly contará sobre as adversidades entre a família, as manipulações de Arty para ser o centro das atrações, a inocência adocicada do irmão mais novo e, ainda, divagará sobre a importância de ser diferente.


Entretanto a linha narrativa não terá foco apenas em Oly quando criança, embasadas como memórias da personagem, mas também alternará com a narrativa do presente, onde Oly já está mais velha, trabalhando em uma rádio e espreitando às escondidas a sua filha Miranda, que sempre viveu como uma órfã. Muita coisa ao decorrer do tempo mudou: a família se quebrou, se partiu, definhou. E mesmo que o discurso da narradora dê uma grande ênfase na importância da família e do amor entre os Binewski, algo aconteceu nesse meio tempo e isso fará com que você roa as unhas até descobrir o quê.

Reprodução: Biblioteca Pessoal

“Aqueles pobres sapos atrás de mim estão em silêncio. Eu os superei. Eles pretendiam me usar e envergonhar, mas eu venci pela natureza, porque uma verdadeira bizarrice não pode ser inventada. Um bizarro de verdade deve trazer isso desde o nascimento.”

Submissão, palavrões e declínio familiar.

A linguagem utilizada pela autora Katherine Dunn não é limpa, rebocada e muito menos certinha. Há palavrões (vários palavrões), termos vulgares e sujos, cenas sexuais e o melhor jeito de fazer do bizarro uma história. Os personagens são diferentes do comum e não se importam com isso. A única preocupação, e possível arrependimento, é não serem diferentes o bastante para causar ainda mais admiração nos pais. E isso fica claro quando a inveja começa a aparecer perante ao caçula com poder especial. Há bastante manipulação e aversão aos denominados “normais”, sendo inevitável o declínio iminente na convivência familiar.

Edição bizarramente maravilhosa.

Assim como as demais edições dos títulos da Darkside, nesse também não poderia deixar de soltar alguns elogios. A capa amarela bastante chamativa se mescla muito bem ao azul decorativo do corte das páginas. A diagramação está ótima para a leitura, contendo detalhes bonitos e especiais por dentro. Diferente de outros livros que li da mesma editora, dessa vez a revisão ortográfica não falhou. Há alguns pequenos erros de gramática, porém nada gritante que atrapalhe a leitura. São falhas que podem passar despercebidas sem grande relevância para o trabalho geral da editora.

Reprodução: Biblioteca Pessoal

Minha estranha conexão com os Binewski:

Provavelmente a leitura mais bizarra que fiz esse ano, mas que ao mesmo tempo está entre as melhores. Confesso que não esperava gostar tanto do livro, já que tem uma temática circense e eu não gosto nada de circos. Porém a Caveirinha se dispôs a me presentear com um exemplar e esse foi um dos meus melhores presentes literários desse ano, pois a editora tinha razão quando suspeitou do meu gosto. É uma história sobre uma família bastante diferente da convencional e acredito que seja exatamente esse o ponto que me fisgou, principalmente por conta dos personagens. 


A inocência cega da Oly muitas vezes me irritou, principalmente a devoção e amor desesperados pelo Arty. Entretanto ao mesmo tempo foi essa inocência que me fez gostar da garota. Ela se doava simplesmente porque queria que gostassem dela e porque achava que fazendo tudo para todos seria dessa maneira especial, já que ter a corcunda e ser albina não era diferente o suficiente para ela. Em vários momentos me vi na Oly, mesmo que isso possa parecer extremamente estranho a princípio. Ter ela como narradora fez com que eu me conectasse a história e me sentisse presa na trama. Me fez querer acompanhá-la.


Os outros personagens também tiveram características especiais para mim, gostei de cada um por ser peculiar e estranho à seu modo. Porém o Arty foi bem difícil de aguentar. Toda a sua maldade e raiva me tiraram do sério. Não acredito que o personagem tenha sido criado para ser amado, mas que a autora queria exatamente colocá-lo na história para causar o desconforto que os demais não tinham o poder. Esse contraste foi o que deu rumo a história e foi o estopim para os dois clímax finais que me arrepiaram.


O declínio familiar, a beleza em cada deformidade, o preconceito com o diferente. Tudo se mesclou em algo estranhamente magnífico. Eu sofri com a família, chorei com as crianças e definhei junto com os problemas. São tantas situações absurdas que fica impossível citar uma sinopse coerente e que aborde toda essa fusão dentro da história. O mais importante é que o leitor saiba que essa história não irá agradar a todos e que acima de tudo é uma história sobre família. O amor, a caminhada e a queda.


Foi uma leitura que me prendeu e me fez ler 100 páginas por dia, algo que não acontece com tanta frequência. Em vários momentos fiquei com raiva, angustiada e triste. Mas em outros me senti parte da narradora e vigia da família Binewski. Recomendo para quem gosta de sair da zona de conforto e que não se incomoda com um linguajar mais chulo e cenas que causam incomodo/estranheza. A leitura vai te cutucar e até te enojar em certos momentos, mas ao final fará com que você sinta um vazio dentro de si por se distanciar dos personagens.


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“Ei, baixinha! Isto é escrito por normais para assustar normais. E você sabe o que são os monstros, demônios e espíritos rançosos? Nós. É isso o que eles são. Você e eu. Nós somos as coisas que os normais veem em seus pesadelos. A coisa que espreita da torre do sino e morde o pescoço dos meninos do coral. É você, Oly. E a coisa no armário que faz os bebês gritarem no escuro antes de sugarem seu último suspiro, esse sou eu. E o barulho no mato, os gritos que gelam a espinha em uma estrada deserta ao anoitecer… são as gêmeas treinando as escaladas enquanto procuram frutinhas. E não balance a cabeça para mim. Esses livros me ensinam muito. Não me assustam porque falam sobre mim.”

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