Literatura

#Clarice-se: Restos do Carnaval



Um pouco sobre o conto:
Uma criança espera ansiosamente pelos dias de Carnaval. Três dias dedicados à diversão, à conversas com pessoas mascaradas e aos momentos em que a menina se sentirá uma adulta. Para a contribuição de sua diversão, todos os anos sua irmã lhe maquia com rouge nas bochechas e batom marcante nos lábios, podendo assim se sentir, ao menos uma vez por ano, como uma mulherzinha.


Entretanto ela nunca foi à festas infantis, não se fantasiou e nem saia de casa nos dias festivos, tudo que a menina tinha era um lança-perfumes e um saco de confete para lhe agradar e durar nos dias de Carnaval. Mas aos 8 anos teve três dias carnavalescos que se tornaram especiais à sua maneira, de um jeito profundo, inesquecível e que, apesar dos anos vividos, ainda é difícil de se descrever


Naquele ano a mãe de sua amiga estava preparando uma fantasia de rosa para a filha, fazendo assim com que a narradora também desejasse uma fantasia para chamar de sua. Tendo sobrado muitos pedaços de crepom cor-de-rosa, a mulher decidiu que também faria uma fantasia de rosa para a menina. Isso a alegrou e a tomou de ansiedade, querendo assim que os dias festivos chegassem logo e ela pudesse se vestir de rosa, ser uma mulher. Porém a mãe da narradora, que já estava arrematada por uma grave doença, começa a piorar drasticamente, tornando o carnaval da menina uma data difícil de ser esquecida e dura de ser lembrada.


Assim como em Cem Anos de Perdão, a leitura conjunta de janeiro, a narração também é em 1º pessoa e contada através de memórias da narradora. A autora explora temas como: transição da infância para a fase adulta, metáforas relacionadas a feminilidade através da rosa, maturidade e perda


Até mesmo o título do conto pode ser visto como uma metáfora ou ao “pé da letra”. Não falarei sobre isso com muitos detalhes, para deixar a surpresa e compreensão à cargo de vocês, mas podemos vê-lo como uma alegoria ao que sobrou daqueles dias de Carnaval, e essa “sobra” fica à seu critério descobrir o que é. 


Para complementar a minha experiência de leitura e trazer ainda mais reflexões para os debates no Projeto Clarice-se, encontrei e li duas análises que me ajudaram bastante a enxergar detalhes que não havia percebido: esse texto e esse vídeo. Inclusive tomei conhecimento de que este conto é, entre pouquíssimos outros, autobiográfico, havendo assim uma parte ainda mais íntima da Clarice nas palavras.

“Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim. Carnaval era meu, meu.”



O que extrai da história:
O estilo de narração escolhido para esse conto encaixou-se perfeitamente com a história. Eu gosto de histórias embasadas em memórias e momentos determinados da vida do narrador, pois fico com a impressão de que algo está sendo confidenciado a mim, meio como um segredo ou algo tão importante que apenas poucas pessoas são privilegiadas em saber. Eu me sinto privilegiada e sua confidente. E isso aumenta ainda mais a minha experiência como leitora e minha imersão dentro da história. É como se me sentisse parte da personagem e uma observadora íntima e particular.


Quanto às interpretações, eu vi na menina alguém inocente e almejante por diversão, alguém que precisava ser criança e inclusa nas brincadeiras de Carnaval. Ainda mais por ter uma mãe doente dentro de casa e não ter nos outros dias do ano a atenção que gostaria. Acredito que essa data comemorativa era o único momento em que a narradora poderia ser criança e se divertir, mesmo que fosse apenas observando os mascarados, sem poder sair de casa ou ir à festas. Ali, na porta de sua casa, ela se divertia em apenas observar as pessoas e conversar com algumas. A felicidade embalada dentro da inocência de uma criança. Inocência que logo foi perdida ao final do conto, sendo substituída por ainda mais responsabilidade e “coisas” de adulto.


Gostei da simbologia por trás da metáfora da rosa, o qual é citada várias vezes durante o texto, mas admito que no começo não consegui “comprar” essa ideia, não entendi para onde as citações referentes à rosa iriam levar. Apenas no final, com a última frase do conto, eu percebi o real significado da flor, que está ligado intimamente com o espírito de vida da menina. Para aqueles que tiverem dúvidas, basta olhar para a rosa como uma metáfora para a transição de menina para mulher, o desabrochar, o se descobrir.


Não vou dizer que foi uma leitura fácil, pois não foi. Por mais que o conto tenha uma linguagem simples e de fácil entendimento, a mensagem que extraímos das entrelinhas e da vivência da narradora não fica tão explícito assim. Como os outros textos da autora, esse também deve ser lido com calma, paciência e atenção, pois apenas assim conseguimos interpretá-lo e entende-lo, ou ao menos uma parte. 


Se você gostou da temática da história e quer começar a ler Clarice, esse conto pode ser um dos indicados para você. Mas vá com a mente limpa, sem se auto pressionar ou forçar a extrair mil significados e interpretações! Apenas leia com calma e desfrute da leitura, aproveitando cada minuto ao lado das palavras da Clarice. Sinta-se parte da narradora, que o resto fluirá.


Você poderá encontrar o conto Restos do Carnaval nos seguintes livros: em Clarice Lispector – Todos os Contos, publicado em 2016 pela editora Rocco; e em Felicidade Clandestina, de 1971, também da mesma editora.

“Mas houve um carnaval diferente dos outros. Tão milagroso que eu não conseguia acreditar que tanto me fosse dado, eu, que já aprendera a pedir pouco.”



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4 thoughts on “#Clarice-se: Restos do Carnaval”

  1. Verdade, texto aparentemente fácil, mas não foi tanto assim. Li duas vezes e talvez tenha sido pouco. Adorei vc dizer sobre a felicidade na inocência de uma criança, notei a menininha um pouco adulta no final.
    Sobre o resto talvez o restinho da alegria, a lembrança.
    Adoro dividir com vcs a interpretação, por vezes vemos coisas diferentes e acho isso fantástico.
    Bjos flor

    http://cariocadointerior.com.br/index.php/2018/02/21/restos-de-carnaval-clarice-lispector-projetoclaricese/

    1. Acredito que todos os textos da Clarice são assim: aparentemente fáceis, mas profundos e cheios de significados. Se não prestar atenção, acabamos perdendo algum detalhe.

      E eu também adoro dividir com vocês essa experiência! É ótimo ver tantas opiniões e interpretações. Acabo aprendendo com vocês e vendo significados onde não havia percebido. ♥

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