Literatura

Resenha: “O Gabarito” – Douglas Felipe


Ciso é um jovem cheio de incertezas, frustrações e alguns sonhos, sendo o maior deles passar no vestibular da USP para ingressar no curso de Letras. Para a sua tristeza e maior frustração, ele foi reprovado nas 5 tentativas em que tentou passar nas provas, mesmo com o auxílio de cursinhos, os quais tomaram muito do seu tempo e dinheiro, e se esforçando para realizar o seu sonho. Atualmente, mesmo sem futuras esperanças para alcançar um cargo maior ou conseguir um emprego melhor, Ciso é assistente de eventos em um hotel, trabalhando assim na parte da madrugada.


Além da indecisão se deve ou não tentar o vestibular mais uma vez, Ciso também se encontra em um momento decisivo para as suas amizades: Luigi, seu melhor amigo, está prestes a se casar com a garota que Ciso odeia e com isso é perceptível que a amizade dos dois está ruindo para o fundo do poço; Cissa, a amiga sempre preocupada em como ele está se sentindo, vai se formar e vive ocupada com o negócio próprio que está construindo; as demais amizades, aquelas que aparecem esporadicamente através de mensagens na internet, vem e vão sem deixar vestígios ou mostrar que ficarão. Por sorte e em meio a solidão das amizades perdidas e distantes, Ciso tem Salvador, um segurança do hotel, que é amigável e às vezes até paternal, sempre tentando tirar um sorriso do rosto do jovem.



Como se não bastasse as fases melancólicas repletas de crises de choro, as frustrações que invadem a sua mente e as indecisões do que fazer no futuro, o casamento de Luigi e a formatura de Cissa caem no mesmo dia, deixando assim Ciso dividido se deve ou não ir em ambos os eventos. Será que Luigi ainda presa pela amizade de Ciso e sua vontade de tê-lo em seu casório é real? E Cissa, será que precisa de Ciso para lhe aplaudir e apoiar em seu dia ou isso só trará mais raiva ao ver que a amiga está realizando um sonho que não parece ser tornar realidade apenas para ele?



Além de abordar o tema da faculdade como central em vários momentos, Ciso também fica entre a indecisão se deve ou não se aventurar na escrita, criar uma história, escrever um livro. A própria Cissa, em um determinado momento da história, tenta abrir os olhos do amigo para a sua capacidade e imaginação para a escrita, mas Ciso repudia essa ideia e, como sempre, não se vê capaz de tal tarefa. Porém quando percebe que, talvez, há uma chama dentro de si pedindo para sair através das palavras e da poesia, a mudança dentro de Ciso começa a acontecer, e é nessa parte que tudo muda, principalmente ele.


“Esta é a beleza dos amigos: cada um tem a sua vida. E eles têm a sua.”



Narrado em 1º pessoa, uma maneira de nos deixarmos ainda mais próximos de Ciso e de sua mente, O Gabarito narra a trajetória de um jovem para encontrar o caminho para o seu futuro e para o auto conhecimento. Ciso enfrenta uma grande jornada contra si mesmo e seus pensamentos solitários que não acreditam em sua capacidade. Através de muitos palavrões, em alguns momentos até em excesso, o personagem mostra como é a sua vida e o porque de nada daquilo lhe trazer felicidade e realização. 



Embora seja uma história que poderia ser apenas sobre o cotidiano de um rapaz com seus 20 e poucos anos, o autor consegue ir além disso trazendo críticas necessárias e importantes de serem debatidas e que, inclusive, não são vistas com frequência na Literatura Nacional e na própria sociedade. Eu, particularmente, nunca vi esse tema sendo abordado em outros livros e por isso fiquei surpresa ao iniciar a leitura, sendo assim algo novo para mim e totalmente positivo. 



O debate abordado no livro diz respeito a pressão excessiva da sociedade em cima dos jovens para que realizem o vestibular e tenham um diploma, mesmo que isso não garanta emprego, mas lhe deixe “acima” dos demais por conta de um pedaço de papel e de uma oportunidade de estudos. Traz também uma crítica à escolaridade, aos ensinos padrões e mecânicos dentro das escolas, dos professores tradicionalistas que desmotivam e desvalorizam os alunos e a dificuldade em passar no vestibular, uma prova que é feita para classificar e excluir. E outro ponto que também é abordado na história é os males do trabalho: o chefe e o cliente que se sentem no direito de ridicularizar o subordinado e, ao mesmo tempo, sentem-se donos do empregado, tratando-o assim como um objeto e não uma pessoa. Temas incríveis de serem trabalhados e que mesclaram-se perfeitamente com o teor da história.



“Acho que encontrar pedaços de você mesmo deveria ser um bom sinal porque, talvez, agora que sabe onde estão, pode juntá-los e montar um você inteiro.”



A escrita do Douglas chega a ser poética e diferenciada em alguns momentos. Por ter poucos diálogos, já que a mente e pensamentos de Ciso são a prioridade da história, o texto acaba sendo extenso, mas não cansativo. Os capítulos são rápidos de ler e sempre deixam ao final uma vontade para continuar a leitura. A narração não é linear, intercalando entre o presente e lembranças do passado, fazendo com que assim tenhamos uma visão geral sobre o personagem e conheçamos mais detalhes sobre sua vida. 



Minha visão sobre a história:

Admito que fiquei bem em cima do muro sem saber se daria 4 ou 5 estrelas porque o que ficou em mim foi muito mais do que uma história, mas sim indagações e, ao mesmo tempo, certezas. Ciso é um personagem muito gente como a gente, com dúvidas, inseguranças, problemas pessoais e sonhos. Sonhos que aos olhos do leitor são tão perceptíveis, mas aos olhos do personagem não fazem sentido ou são ignorados. Ciso fala diretamente com o leitor sobre o fracasso de tentar ingressar em uma faculdade e sempre falhar, fala sobre a pressão que a sociedade coloca em cima dos jovens obrigando-os a seguir o padrão de vestibulando > formando > trabalhador. As críticas que o Douglas levanta são persistentes e cotidianas, e é por isso que é tão fácil se identificar com o livro. A distância de amizades, a falta de acreditar em si mesmo, as dúvidas perante o futuro. Tudo isso já passou ou vai passar pela nossa cabeça e o autor conseguiu explorar isso de uma maneira leve, sincera e transparente. 


O livro conseguiu “fisgar” a minha atenção logo no prólogo, que mescla uma temática estilo Jogos Mortais com missões embasadas em questões de vestibular, ou seja, o participando tem que responder as questões de maneira certa, pois ao contrário será morto. Logo nesse começo eu já me diverti com a analogia do autor e a comparação de uma prova com um mecanismo assustador e assassino, aquela questão da seleção e exclusão. Nesse momento da leitura eu até imaginei que a história seria um suspense sobre vestibulandos encarcerados em um jogo mortal, mas percebi no primeiro capítulo que o rumo, por mais que fosse semelhante a isso, era outro. E eu gostei do rumo que li.



Conheci o livro através de um convite para participar do seu BookTour, um esquema em que o livro vai passando pelas mãos de vários leitores e deixando a sua marca em cada um deles. Fiquei muito feliz por ser convidada, pois, talvez, sem essa oportunidade eu não teria conhecido essa história, já que não tinha ouvido falar dela antes. Agradeço a Carol, que me convidou para esse projeto, e ao autor que respondeu minhas mensagens no instagram com tamanho entusiasmo, sempre atencioso. Esse contato de leitor e autor só me fez gostar ainda mais do livro e criar um carinho especial pela história, a qual me identifiquei tanto. Já estou bastante ansiosa para futuros trabalhos do Douglas e as novas histórias que ele nos proporcionará.



O Gabarito é o tipo de livro que deveria ser distribuído nas escolas de Ensino Médio e lido para debates dentro da sala de aula, ainda mais quando o Enem se aproxima para o aluno e a pressão começa a ficar mais forte. É uma leitura que indico para todos, principalmente para os jovens que acabaram de sair do Ensino Médio e não sabem o que fazer em seguida, pois assim não se sentirão sozinhos e nem presos a uma única alternativa, tendo a certeza de que podem ser o que quiserem e de que não precisam de um diploma para serem felizes e realizados profissionalmente.



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“Serei só eu e minha cama e meu mar sem fundo, onde meu peso não boia e eu não respiro nem me afogo, só fico ali.”



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20 thoughts on “Resenha: “O Gabarito” – Douglas Felipe”

  1. Oi Thainá, eu não conhecia o livro, mas gostei dele, tem um tema que é bem a realidade de muitas pessoas, principalmente jovens. Os palavrões me incomodariam muito durante a leitura, realmente, não gosto.
    Eu gosto quando as estórias alternam passado e presente, mas tem que ser de uma forma clara, sou meio lenta para isso. Mas em geral, gostei do livro, achei tua resenha muito bem escrita.
    Bjos
    Vivi
    http://duaslivreiras.blogspot.com.br/

    1. Oi, Viviane!
      Obrigada! Realmente fica complicado para aqueles que se incomodam com palavrões, já que é uma forma particular do protagonista se expressar. Mas se um dia quiser dar uma oportunidade a história, acredito que irá se surpreender com o desfecho e o crescimento do personagem.

  2. Hey, tudo bem?
    Ainda não conhecia esse título e confesso que achei ele interessante. Eu gosto desses livros que parecem ter o propósito de mostrar o cotidiano das pessoas e esse parece fazer isso muito bem. Gostei do que você disse sobre a distribuição do livro, acho muito importante quando esse livro causa esse impacto.
    Vou anotar a dica.
    Beijos

    1. Oi, Bruna! Que bom que você gostou! Espero que consiga um tempo para dedicar a essa leitura e que tenha uma experiência tão boa como eu tive. Como eu disse na resenha, acredito que o tema proposto do livro se encaixaria muito bem para ser distribuído nas escolas e, quem sabe, até ter exemplares em bibliotecas escolares e públicas. Acredito que a leitura ajudaria e muito os mais jovens, principalmente em períodos de términos de estudos e com a pressão de vestibulares.

  3. Olá!
    A medida que estava lendo a resenha pensei logo que esse era um livro que deveria ter no ensino médio para os adolescentes e pra minha felicidade você também fez esse comentário

    Achei interessante os assuntos abordados sobre o vestibular e todo esse estresse e a leitura deve ser pra reflexão.
    Não sei se leria, mas vou indicar pra alguns jovens.
    Beijos!

    Camila de Moraes.

    1. Que legal, Camila! Isso mostra que não foi apenas eu que tive essa impressão. Agora é esperar que alguém leve essa iniciativa para um nível mais palpável, né? Hahaha. Queria muito ver esse livro em escolas e ganhando mais espaço entre os jovens. Seria incrível e libertador!

    1. É bom ver que mais pessoas estão lendo e adorando! ♥
      Que a palavra do Felipe continue sendo espalhada, hahaha. Acredito que se você ficou curiosa, vale a pena dar uma oportunidade para a história. Vai se surpreender ainda mais! E obrigada pelo elogio!

  4. nossa, tenho um trauma de BT que só vendo hhahaah
    que bom que esse deu certo pra vc e ficou uma leitura que te cativou…
    nunca tinha ouvido falar do autor antes, nem de sua publicação… mas confesso que a temática trabalhada não é minha vibe…
    bjs…

    1. Espero que tenha uma ótima leitura, Ana!
      É uma história que cativa e traz intensas reflexões, tudo de uma maneira simples e com linguajar de fácil acesso. Aproveita para acompanhar o autor e ficar de olho nos próximos lançamentos! É um nome nacional que valerá a pena ficar de olho.

  5. É muito bom quando o autor sabe como colocar a realidade na literatura, essa pressão para entrar logo na faculdade(e tem que ser uma boa) é muito real e preocupante, isso adoece a cabeça dos jovens. Eu não conhecia essa obra mas adorei os temas abordados e pretendo procurar mais sobre.

    1. Exatamente! Ainda mais uma realidade em terras brasileiras. A literatura nacional falando de problemas nacionais, isso é ótimo! O livro também é uma ótima chance de fazer com que jovens se interessem por leitura, ao meu ver.
      Espero que goste! ♥

  6. Oii! Eu não conhecia essa obra, mas achei a história bem interessante. Principalmente pela crítica à sociedade em pressionar os jovens, e das tentativas frustrantes para ingressar na faculdade. Amei a sua resenha e espero conhecer a escrita do autor um dia, bjss!

    1. Obrigada, Jennifer!
      Dê uma chance sim! Vale a pena e é ótimo para tirar reflexões, mesmo nós que já passamos por essa "fase". Serve como uma lição e como devemos tratar melhor essa questão.

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