Literatura

Resenha: “A Bússola de Ouro” – Philip Pullman



Lyra é uma criança sapeca, mimada e desobediente. Reside na faculdade Jordan, em Oxford, estando aos cuidados dos catedráticos e, às vezes, recebendo visitas de seu tio Lorde Asriel, o único familiar que mantém contato e tem conhecimento. Ao lado de seu daemon Pantalaimon, a garota se aventura pelos telhados da faculdade e passa as tardes brincando com o seu melhor amigo Roger, o assistente do cozinheiroDaemons são formas de animais que variam de tamanho e espécie de acordo com cada humano e acompanha-o durante toda a sua vida, não podendo serem separados um do outro. 


Em uma de suas aventuras, Lyra descobre que há a existência de algo denominado Pó e existe uma cidade que reside no céu dentro da aurora boreal, duas descobertas que estão deixando seu tio Lorde Asriel intrigado. Mas, afinal, o que seria esse Pó e por que há uma cidade no céu? Essas são algumas perguntas que martelam na cabeça da menina. Porém, como se não bastassem, outro acontecimento também lhe traz dor de cabeça: o repentino desaparecimento de crianças. 


Quando Lyra conhece a Srta. Coutier, uma mulher admirável, corajosa e inspiradora, e tem a oportunidade de morar com ela, a garota vê uma chance de saber mais sobre o Pó e de resgatar as crianças desaparecidas, inclusive trazer de volta seu amigo Roger que, ela imagina, também foi capturado pelos temíveis Gobblers, seres ainda desconhecidos que estão roubando crianças. 


Para acompanhá-la nessa jornada, o Reitor da Jordan lhe presenteia com um aletiômetro, um objeto que muito se assemelha a uma bússola dourada, mas que é composta por três indicadores e repleta de símbolos diversificados. 


Com narração em 3º pessoa, a história traz para os leitores de fantasia um mundo totalmente novo e inesperado. Admito que achei a ideia de todos terem daemons, como uma alma à parte do corpo, genial e única. Não havia lido nada parecido e, acredito que por isso, fiquei tão cativada com a criação de mundo do autor. Nesse quesito também entram os novos seres e culturas explorados na história. Lyra terá contato e fundirá uma amizade com pessoas diversas, intercalando entre feiticeiras, gípcios e até ursos de armadura.

“Nas últimas semanas, um boato vinha se espalhando pelas ruas – um boato que fazia algumas pessoas rirem e outras silenciarem, assim como algumas pessoas riem de fantasmas e outras têm medo deles: sem que qualquer pessoa pudesse imaginar o motivo, crianças estavam começando a desaparecer.”

A escrita e crítica do autor:
A trilogia Fronteiras Do Universo é classificada como uma literatura infanto juvenil, ou seja, livros feitos para crianças e jovens. E logo no início, quando temos o primeiro contato com a escrita do Philip Pullman, isso fica evidente e explícito o porquê. Todo o mundo mágico e fantasioso criado pelo autor é explicado e entregue ao leitor através de diálogos. Diálogos onde a protagonista, Lyra, é quem indaga sobre o universo e quem recebe as respostas. Então, por se tratar de diálogos realizados por uma criança acaba que tudo é entregado de maneira fácil e mastigada. E por isso a escrita do autor acaba sendo tão fácil de ser lida e o seu mundo tão fácil de ser compreendido. 


Não achei que isso fez com que sua história recebesse um tom totalmente infantil. Pelo contrário, achei que essa “artimanha” foi uma ótima maneira de trazer novos leitores para o gênero e despertar nos mais jovens uma vontade a mais em ler fantasias. Para mim, esse aspecto de sua escrita “caiu como uma luva”. Não sou acostumada a ler esse gênero literário, apenas li até o momento O Hobbit e Nildrien – O Pergaminho, justamente por ter dificuldade em imaginar o cenário e entender as divisões políticas e sociais que rondam a criação. Talvez seja por falta de prática da minha parte, talvez seja um problema próprio na minha imaginação. Eu não sei. Apenas sei que A Bússola de Ouro me mostrou que fantasias podem ser “fáceis” para o público e mesmo assim trazer debates necessários e de suma importância. Afinal, acredito que fantasia seja exatamente isso.


E falando especificamente sobre esses debates, Philip Pullman aborda e critica o fanatismo religioso. A crítica não fica nas entrelinhas ou sub-entendido para o leitor, mas é, sim, perceptível e escancarada ao longo da história, mostrando o lado perigoso da religião. Alguns mais jovens podem até não se atentar à esse detalhe, mas acredito que em uma releitura futura tudo ficará mais claro. O importante é absorver a crítica e depois debatê-la.


Inclusive, assim que terminei a leitura deste livro decidi procurar por artigos ou resenhas críticas que explorassem com mais profundida essa crítica, porém não encontrei nada. Quando se procura na Internet sobre a crítica religiosa que há em A Bússola de Ouro, a única pesquisa que encontramos são as inúmeras acusações da Igreja em cima do livro querendo vetá-lo das prateleiras e proibi-lo de ser lido, pois para eles a crítica é algo abominável e ofensivo. Eu prefiro não adentrar tanto nesse assunto e nem expor minha opinião sobre, mas quero pedir que caso alguém conheça artigos ou textos bem elaborados sobre a obra, deixe nos comentários para eu dar uma lida.

“Um ser humano sem dimon era como uma pessoa sem rosto, ou com as costelas à mostra e o coração arrancado: uma coisa antinatural e estranha, que pertencia ao mundo dos pesadelos noturnos, não ao mundo desperto e racional.”

Minha experiência com o mundo criado por Pullman:
Admito que o livro foi uma grande surpresa para mim. Eu não esperava que fosse gostar, pelo menos não ao ponto de classificar com quatro estrelinhas, o que para mim é um “gostei muito” e um quase “amei”. É claro que há defeitos, ao menos para mim. Mas a leitura acabou sendo tão agradável e fluida, que acabei por não me atentar a esses detalhes e apenas me deixei levar junto com Lyra. Acredito que foi por causa desse pensamento que no fim acabei tendo uma impressão tão positiva da obra, mesmo pessoas próximas de mim tendo opinado que a história não é tão cativante e impressionante assim.


No começo foi difícil engatar na leitura, pois a personagem principal não me agradava. Lyra, ao menos no início da história, é uma menina muito mimada e orgulhosa, que se vê como superior às outras crianças e rebaixa-as por isso. Claro que fica exposto que entre as crianças há grupos, então esses grupos acabam brigando entre si. Mas mesmo assim achei a Lyra meio superficial, e isso me irritou. Lá para uns 30% do livro a personagem acabou por se redimir comigo. Acredito que a jornada dela de ir atrás do amigo fez com que sua cabeça mudasse e isso foi bom. Contrapondo a isso, achei que algumas atitudes dela eram muito adultas para a sua idade. Ela não tinha medos e nem inseguranças. Algo meio que implausível até para pessoas adultas. Isso deixou a história ainda mais fantasiosa, mas como ponto negativo para mim. Queria ver mais o lado criança da personagem e que ela tivesse erros e decepções ao longo da história, não apenas em um momento ao final.


Falando agora de um modo geral e sem dar spoilers, o plot principal e até mesmo o desfecho ao final me agradaram. Admito que fiquei surpresa em vários momentos da leitura quando algo era revelado sobre a vida de Lyra ou sobre os Gobbers e o Pó. Eu não esperava por nenhuma dessas revelações, então fiquei surpresa em todas. Porém uma certa cena romântica que ocorre lá nos últimos capítulos me pareceu intragável e bizarra. Essa sim foi uma surpresa desagradável e que não gostei. Não combinou. Não entendi. Fico pensando: será que algum leitor pode ter gostado desse momento inesperado ou até mesmo previsto?


Outro ponto forte da história e que me deixou bastante intrigada foi a crítica ao fanatismo religioso. Em todas as possíveis resenhas ou opiniões que você encontra na Internet à fora, sempre é destacado esse tema, mas nunca explorado com mais profundidade. É interessante perceber o quanto essa crítica vai aumentando ao decorrer das continuações e saber ao final qual é o resultado de tudo isso. Eu adoro livros que trazem críticas e abordagens sociais, religiosas ou de outros cunhos, então por isso houve destaque para mim. Acredito que mesmo se não tivesse gostado totalmente da história, isso me faria continuar a ler os próximos volumes, principalmente para saber sobre o desenvolvimento da Igreja exposta ali.


Se você gosta de fantasia ou tem interesse em começar a ler o gênero, A Bússola de Ouro pode ser a escolha certa para você. Apenas se atente ao fato de que a história não tem pontos difíceis, linguagem científicas e personagens muito aprofundados. Apenas alguns têm a história exposta para a gente de forma mais íntima, outros apenas são citados. Então, vá com a mente aberta e com disposição para se divertir. Creio que assim a leitura fluirá e você terá uma ótima experiência com a obra.


Lembre-se que: a Suma de Letras relançou este livro no ano passado, porém a versão que li era a antiga. Por isso, durante a resenha alguns termos podem ter variado, mas continua sendo a mesma história e os mesmos personagens.


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“Atrás deles, ficavam a dor, a morte e o medo; à frente deles, a incerteza, o perigo e mistérios inimagináveis.”

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