Literatura

Resenha: “Sejamos Todos Feministas” – Chimamanda Ngozi Adichie

“(…) eu estava no meio de uma argumentação quando Okolomo olhou para mim e disse: “Sabe de uma coisa? Você é feminista!” Não era um elogio. Percebi pelo tom da voz dele – era como se dissesse: “Você apoia o terrorismo!”.”

Chimamanda Ngozi Adichie é uma autora nigeriana conhecida por tratar em seus livros sobre assuntos necessários e trazer personagens repletos de representatividade e identificação

Conhecida também por ser feminista e a favor da igualdade de gênero, a autora deu uma palestra em 2012 sobre feminismo em uma conferência anual que tinha como foco a África e o objetivo de inspirar a população africana. Esse discurso se transformou no livro Sejamos Todos Feministas e percorre o mundo conquistando e acolhendo novos leitores, assim como aconteceu comigo.

O livro é relativamente pequeno, contendo apenas 63 páginas, e interativo com o leitor, principalmente se você for mulher, pois durante a leitura há momentos chaves de identificação, acontecimentos que farão você repensar a sua infância, adolescência e até mesmo a fase adulta. Por se tratar de um discurso com base em relatos pessoais da vida da própria autora, conseguimos sentir ainda mais as suas palavras e nos emocionar perante aos relatos. 


Por exemplo, em um certo momento da palestra, Chimamanda comenta sobre uma amiga que para ser respeitada no ambiente de trabalho era preciso usar uma aliança de casamento, mesmo sendo na verdade solteira, pois assim, e apenas assim, ela seria vista com respeito. Essa parte me agoniou, me engasgou, me fez passar muito mal. Como alguém pode ter como critério respeitar apenas mulheres casadas? O que são, então, as mulheres solteiras? Depravadas, duvidosas, sem credibilidade? Então usar um anel seria sinônimo de caráter? Ou melhor, uma mulher usando um anel de casamento é sinônimo de caráter? Pois, acredito eu, que poderia muito bem haver homens solteiros nesse emprego sendo tão, ou até mais, respeitados.


Através dos relatos e das palavras da autora são “jogados” em nossa cara o quanto questões de gênero devem ser debatidas e repensadas nos dias de hoje. Em como milhares de famílias insistem em educar seus filhos de maneira errada, criando um garoto para ser o garanhão da escola, o líder da empresa e o chefe da família, mas criando uma garota que se tornará uma mulher indefesa, insegura, sem almejos para uma carreira de trabalho e com o pensamento de servir ao marido.


Há também a presença de como surge e é mantido a desvalorização da mulher, seja em casa, no emprego ou dentro da família, e tudo isso acaba sendo muito interessante pois mostra situações que não damos tanta importância ao longo dos nossos dias, mas que faz toda a diferença na vida das mulheres e implica no aumento da desvalorização, desigualdade. Palavras durante a leitura que podem lhe deixar triste ao perceber que, mesmo sem perceber, você contribui para a depreciação das mulheres, seja você um homem ou uma mulher, afinal todos estamos sujeitos a errar, julgar e rebaixar.


É essa ferida em aberto, essa dúvida, essa diferença de tratamento, essa desigualdade, que a autora irá expor em Sejamos Todos Feministas. Um texto com uma enorme carga emocional – principalmente para as mulheres que irão se identificar com os relatos – e escrito através de palavras cruas, secas e sinceras

“Algumas pessoas me perguntam: “Por que usar a palavra ‘feminista’? Por que não dizer que você acredita nos direitos humanos, ou algo parecido?” Porque seria desonesto. O feminismo faz, obviamente, parte dos direitos humanos de uma forma geral – mas escolher uma expressão vaga como “direitos humanos” é negar a especificidade e particularidade do problema de gênero. Seria uma maneira de fingir que as mulheres não foram excluídas ao longo dos séculos. Seria negar que a questão de gênero tem como alvo as mulheres. Que o problema não é ser humano, mas especificamente um ser humano do sexo feminino.”


Me encontrando na literatura de Chimamanda

Tentei ler essa pequena palestra aos poucos para tentar alongar ao máximo a leitura e poder desfrutar dos detalhes das palavras e sentimentos da Chimamanda. Não consegui. Quanto mais eu tentava interromper a leitura, mais eu pensava em continuá-la. Em um momento específico do dia tive que me ausentar, ir na casa de um conhecido, e enquanto conversavam ao meu redor eu decidi dar continuidade na leitura, ficando bastante concentrada e hipnotizada. E olha que não gosto (e nem consigo) ler em lugares barulhentos ou com murmúrios por perto. Fazia algum tempo que eu não me sentia tão conectada e ansiosa com um livro.


Sempre ouvi falarem muito bem desse manifesto da autora e que seria uma ótima maneira de ter o primeiro contato com seus textos, e realmente senti a mesma impressão ao finalizar a leitura. Ao mesmo tempo que concordava com suas palavras e me familiarizava com os relatos, ia criando um grande carinho pela autora e ficando com mais vontade ainda de conhecer suas outras histórias. Por enquanto apenas li essa e Hibisco Roxo, mas pretendo dar continuidade nas demais no ano que vem.


Foi inevitável e marquei quase o livro inteiro (mesmo tendo lido em e-book). Cada relato era um tapa na minha cara através da concretização do quanto a sociedade impõe regras perante a suposta igualdade de gênero. Percebi e refleti em como algumas atitudes, inclusive minhas, estão totalmente erradas e devem ser mudadas urgentemente. Aprendi mais sobre a luta do feminismo e me senti ainda mais orgulhosa por fazer parte desse leque de mulheres que buscam pela igualdade. Me senti acolhida, segura e compreendidaMe senti amiga da autora, confidente, próxima. Mais do que uma escritora, a Chimamanda se tornou uma amiga, uma irmã.


O livro é pequenino, rápido e satisfatório. Chimamanda virou meu amorzinho e, com toda a certeza, entrou na minha lista de autoras preferidas. Não só na lista de autoras, mas sendo uma escritora que quero acompanhar pelo resto da vida e que fará parte constante no meu caminho de leitora. Conheci-a do melhor jeito possível e já a admiro como escritora, pessoa e mulher


Uma leitura obrigatória para todos que acompanham, apoiam e integram o Movimento Feminista e também para aqueles que ainda não têm conhecimento sobre o real significado e a importância da nossa luta. Um livro que poderia ser visto como didático, repleto de ensinamentos e opiniões fortes, mas que vai além disso, pois além de abrir os olhos do público para o que queremos, lutamos e gritamos, também tem o poder de trazer mais meninas, moças e mulheres para o nosso lado, nossa luta, nossa vida. 

Acima de ser feminista e lutar por igualdade, Chimamanda também mostra o tamanho da importância da sororidade entre as mulheres, da ajuda e apoio mútuo. Então por que não colocamos esses ensinamentos em prática e nos tornamos todas apenas uma?


“Quanto mais perto do topo chegamos, menos mulheres encontramos.”

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4 thoughts on “Resenha: “Sejamos Todos Feministas” – Chimamanda Ngozi Adichie”

  1. Oi, Thainá! Que bom que gostou da literatura da Chimamanda, eu sou particularmente apaixonada pelos romances dela. Ela tem uma escrita peculiar e, como já li outras autoras africanas, posso dizer que a África tem um jeito lindo e essencial de contar histórias. Espero que leia mais obras dela, recomendo Hibisco Roxo 🙂

    Love, Nina.
    http://www.ninaeuma.blogspot.com

    1. Que lindo, Nina!
      Poderia me indicar outras autoras africanas? Será um prazer conhecer ainda mais à fundo essa literatura. Hibisco Roxo eu já li e também adorei! Espero em 2019 conseguir ler as obras que ainda faltam.

  2. Jornal Informal

    Eu li esse livro em um dia e também fiz o mesmo, marquei quase o livro todo. Achei ele muito importante para quem está dentro do movimento feminista e para aqueles que querem conhecer o movimento e as ideologias que o agrega, se você quer entender de feminismo esse é um bom início para se começar. A forma como ela aborda as questões de igualdade de gênero e os exemplos, mesmo sendo na cidade onde hoje vive, Lagos, não está tão distante assim da nossa realidade brasileira (e acredito que não só aqui, como também em outros países). Simplesmente amei!

    1. E o mais interessante é que nos demais livros da autora isso também acontece, não é Karol? Por exemplo, li Hibisco Roxo e percebi que mesmo distante aquela realidade também é presente aqui. Não com a mesma frequência e nem com a mesma intensidade, mas de maneira geral pode ser algo reconhecível por nós. O que torna a literatura da Chimamanda linda, necessária e tocante.

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